A precariedade da aplicação da fiança nas relações negociais de locação imobiliária.
DEDICATÓRIA:
Dedico ao meu pai, minha verdadeira inspiração para este
trabalho e que, apesar de não possuir título de professor, foi um verdadeiro
mestre dos ensinamentos da vida; a minha mãe, que com muito amor me ensinou a
conciliar as normas da razão com as normas do coração; e a minha única irmã,
mulher de minha maior confiança e que sempre será a menininha dos meus olhos.
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo abordar alguns dos
aspectos polêmicos daquela que por muito tempo foi considerada a melhor das
garantias locatícias, sendo portanto a mais adotada no universo negocial das
locações imobiliárias. Ao adentrar em temas como a necessidade do consentimento
do cônjuge para a validação da fiança, as possibilidades de exoneração do
fiador em meio à continuidade do contrato e a possibilidade ou não de se
penhorar um bem de família do garantidor, será demonstrado a fragilidade da
fiança, principalmente quando tais questões são tratadas dentro da esfera judiciária,
onde a unanimidade nas decisões inexiste, prevalecendo uma constância de
decisões oscilatórias, que variam inclusive na opinião de um mesmo julgador.
Através da interpretação dos dispositivos legais pertinentes ao assunto, com
uma posterior comparação dos recentes julgados que tratam do tema, se
demonstrará a fragilidade da garantia, que perdeu muito de sua força graças ao
atual estado da imprevisibilidade jurídica. Tem-se ainda a abordagem
doutrinaria sobre toda a questão, para que ao final, se busque o melhor
consenso, com a análise do assunto de todos os ângulos; normativo,
jurisprudencial e doutrinário; na busca de se alcançar ao menos os indícios que
melhor defina o cenário futuro das formas de se garantir uma locação, e trazer
de volta a segurança ao mercado de imóveis, que tem nesta modalidade negocial
um de seus pilares da circulação de riquezas.
Palavras-chave:
fiança – locação - imóveis – mercado – exoneração – outorga – fiador – garantia- locatário- imobiliário .
INTRODUÇÃO
Dentro do Direito Privado, a locação de imóveis ocupa lugar privilegiado,
com grande foco no âmbito empresarial, devido a sua considerável influência na
economia nacional. Tamanha a sua importância, foi criada a Lei 8.245 de 1991,
com a finalidade de regular as relações entre locador e locatário.
A lei aborda toda a sistemática do assunto, desde a definição do que
seria o imóvel urbano passível da locação até a orientação das medidas
judiciais cabíveis na hipótese do descumprimento do acordo pelas partes.
Mantendo esse cuidado, foi separado um capítulo inteiro para tratar
exclusivamente das chamadas “garantias locatícias”.
Preocupado em manter a segurança e a confiabilidade nas negociações, o
legislador enumerou de forma restrita as proteções do locador contra um uma
possível deterioração do seu imóvel ou um eventual “calote” do locatário.
É dentro destas hipóteses taxativamente enumeradas que se encontra a
fiança. Modalidade regulamentada pelo Código Civil, foi estendida à Lei do
Inquilinato, e se tornou quase que a única a ser escolhida tanto pelos
locadores quanto pelos locatários, Conforme nos ensina Sylvio Capanema;
“De
todas as garantias admitidas pela lei, a mais utilizada é a fiança, que
constitui pacto acessório pelo qual alguém, a quem chamamos de fiador, se
obriga, perante o credor, a pagar a dívida do devedor, afiançado, caso este não
o faça”
O motivo de tamanha preferência está relacionado com a facilidade de ser
prestada, já que se trata de garantia ligada unicamente à pessoa do garantidor,
não sendo necessário maiores exigências, a não ser a concordância entre fiador
e locador.
“ A garantia pessoal da fiança é largamente utilizada no
universo negocial, mormente nos contratos de locação imobiliária, sendo essa
sua função mais importante, em que pese a lei inquilinaria admitir outras
formas de garantia(caução real e seguro fiança, art.37 da Lei n°
8.245/91).Podendo ser formalizada de maneira mais simples do que as garantias
reais, a fiança recebe a preferência das partes”
Contudo, há algum tempo a fiança vem sofrendo constantes mudanças, tanto
na esfera legislativa quanto na esfera jurídica, o que vem resultando no
enfraquecimento dessa forma de garantia, levantando-se dúvidas e desconfiança
relacionadas a sua efetiva proteção.
Com a abordagem de temas como outorga uxória, exoneração e
impenhorabilidade dos bens de família do fiador, irá se demonstrar questões que
colocam em prova a viabilidade
da fiança como forma de garantia locatícia, algo extremamente relevante, em um
mercado onde a mesma é tida como a “melhor” das precauções,
O objetivo deste trabalho é fornecer elementos para que aqueles ligados
ao ramo empresarial da locação imobiliária reflitam se ainda é realmente viável
a escolha da fiança ao invés das outras garantias, que são, a principio
consideradas de acesso mais restrito.
A OUTORGA UXÓRIA.
Como salienta Gildo dos Santos, a fiança quando firmada por pessoa
casada, deve ter a autorização do outro cônjuge.
A grosso modo, a outorga uxória é definida como o consentimento ou
autorização dada de um cônjuge a outro para que ele possa praticar determinados
atos ou negócios jurídicos,incluindo a prestação da fiança.Essa exigência é
antiga, e já estava presente no Código Civil de 1916.Acontece
que, após a Constituição Federal de 1988, houve uma maior valorização da
entidade conjugal e familiar como um todo.Principalmente na esfera patrimonial,
como explica o Doutor em
Direito Civil Marco Aurélio Viana:
“A Lei Maior acolheu na isonomia conjugal, sob
o enfoque da teoria da “autoridade indivisa”, em que a soberania do grupo
conjugal ou familiar pertence a ambos os cônjuges sem delimitação de esferas. Ora,
sendo a fiança convencional um contrato em que se garante dívida de terceiro,
colocando-se o patrimônio para satisfação do crédito, a nosso ver a vênia
conjugal é indispensável. Em verdade, o que se está fazendo com a fiança é comprometer
a massa patrimonial, que é afetada a uma finalidade específica, ou seja, as
necessidades do casal e dos filhos. Esse desvirtuamento, que a fiança determina,
só poderá vir com a concordância do casal, porque põe em jogo a soberania
familiar,”
O problema é que esta valorização, ao mesmo tempo em que fortaleceu entidade familiar, fragilizou as relações
contratuais, refletindo de forma negativa nas locações imobiliárias.
Analisado os aspectos da outorga, percebe-se o quanto ela pode prejudicar
o locador quando não prestada ou se feita de forma incorreta. Tratando-se o
fiador de indivíduo casado, até mesmo estando ele separado de fato, deverá ser
exigida a autorização do outro conjugue, no mesmo contrato, sob pena de perder
a garantia por falta do consentimento expresso da esposa ou do marido do
garantidor.
“Devem ser os locadores
extremamente cautelosos, ao aceitarem a fiança, quanto a verificação do estado
civil do fiador, exigindo a assinatura do cônjuge, se casado for, ainda que
separado de fato.”
Depois de dada a anuência do conjugue, ainda será necessário o cuidado de
verificar a maneira de como ela é mencionada no contrato de fiança. A simples
outorga não é suficiente para garantir a proteção que o locador tanto almeja. Importante
também será a forma de como ela é prestada, definindo qual serão os efeitos da
fiança a serem produzidos sob patrimônio do casal, podendo a garantia somente
se restringir aos bens do outro conjugue fiador ou se estender aos bens dos
dois, inclusive aos particulares.
“Pode
ainda, ser a fiança prestada por ambos os cônjuges, em conjunto, como
co-fiadores, o que não se confunde com a simples outorga uxória ou marital.”
Tem-se
como exemplo o marido que irá prestar fiança a um terceiro e pede a autorização
expressa da sua esposa para a convalidação do ato. Se ela assinar somente como
conjugue do fiador, os seus bens particulares estarão protegidos, já que apenas
anuiu o ato do marido, de acordo com a exigência legal.
O locador, ao fazer o levantamento do patrimônio do fiador, pode achar
que este será suficiente para satisfazer as suas exigências, e se presume
protegido, já que a outorga foi concedida. Porém, pode os bens serem
particulares do outro cônjuge e o mesmo não estar qualificado como fiador.Outra
hipótese seria a transferência dos bens para o nome do cônjuge que apenas deu o
seu consentimento, impossibilitando que o patrimônio seja atingido.
Surge mais uma complicação: além do regime de casamento do casal, deve-se
saber em nome de quem se encontram os bens. Para que a fiança os envolva por
completo, é necessário que no contrato exista alguma expressão que qualifique o
cônjuge que presta a outorga também como fiador, mencionando a responsabilidade
de forma conjunta, configurando a típica co-fiança. Só assim todos os bens do casal estarão comprometidos, inclusive
os particulares de cada um. È o que ensina Silvio Venosa:
“O cônjuge pode autorizar
a fiança. Preenche-se desse modo a exigência legal, mas não há fiança de ambos:
um cônjuge afiança e o outro simplesmente autoriza, não se convertendo em fiador. Os cônjuges
podem,por outro lado, afiançar conjuntamente.Assim fazendo, ambos colocam-se
como fiadores.Quando apenas um conjugue é fiador, unicamente seus bens dentro
do regime respectivo podem ser
constrangidos .Desse modo, sendo apenas fiador o marido, com mero
consentimento da mulher,os bens reservados desta,por exemplo, bem como os
incomunicáveis, não podem ser atingidos pela fiança.”
Outra barreira imposta à fiança dentro do mecanismo da outorga diz
respeito ao casamento regido pela separação absoluta de bens. Segundo o código
civil, não será necessária anuência expressa nos casos em que o regime adotado
for o de separação absoluta de bens. Entretanto, é importante deixar claro que
existem critérios para considerar a falta da outorga em casos como este.
O casamento deve ser firmado com o caráter contratual, presente o devido
pacto antenupcial. Tratando-se de casamento regido pela separação obrigatória
de bens, sem a realização do pacto, a outorga uxória será necessária, assim
como todas as outras em que a lei exige. A separação absoluta deverá ser por
vontade das partes e não por imposição legal. Só assim a fiança sem autorização
será válida.
O legislador parte da premissa de que os conjugues aderiram a este regime
por força de vontade, tendo a livre disponibilidade dos seus respectivos bens. Sylvio
Capanema adverte sobre a necessidade da outorga, mesmo quando se tratar do
regime de separação absoluta de bens.
“... ainda que o regime
de bens do casamento seja o da absoluta separação, a economia da família é una,
pelo que, prestada a fiança , pode ela afetar o patrimônio familiar,
empobrecendo seus membros, caso excutidos os bens,para pagamento da divida do
afiançado. Nada mais justo, portanto,do que ouvir-se o conjugue para saber se
concorda ele em arriscar o patrimônio da
família, que a todos interessa”.
Por incrível que pareça, o
assunto pode se complicar ainda mais. Pior será quando se tratar de união
estável.
Devido à falta de objetividade em se qualificar este tipo de união, ficou
ainda mais difícil pra o locador definir qual é o estado civil do fiador.
“Um elemento complicador
se levanta, a preocupar o mercado È que a prova da união estável não é
produzida com a mesma certeza e objetividade quanto a do casamento, que se
demonstra pela respectiva certidão”
Sabe-se que à união estável se aplicam as mesmas regras do regime de
comunhão parcial de bens. Difícil é saber quando uma união é ou não estável.
Às vezes para o fiador, o simples fato de namorar ou conviver com alguém
não o caracteriza como uma pessoa comprometida, que tem um vínculo com o seu
parceiro, levando-o a se qualificar como solteiro quando questionado o seu
estado civil. Mas a visão do magistrado pode ser diferente. Ao analisar os
fatores objetivos em conjunto com os subjetivos, o juiz pode concluir pela
existência da união estável, causando surpresa ao fiador e principalmente ao
locador desprevenido.
A solução para o problema é dada pelo professor Geraldo Beire Simões, que
sugere, como meio de entrelaçar o fiador, que se inclua ao contrato uma
declaração solene e peremptória de que este se qualifica como solteiro,
divorciado, separado ou viúvo e que não mantém uma relação estável; sob pena de
responder civil e criminalmente por falsa afirmação.
Nota-se como a simples autorização tomou dimensões maiores, chegando a
ponto de se exigir do fiador, prestador de um favor ao locatário, que declare o
seu estado civil, sob o risco de sofrer sanções até mesmo na esfera criminal
caso não diga a verdade. E se, não sendo ele casado, não for da sua vontade
revelar a sua intimidade?Conclui-se que o locador corre sérios riscos de no
futuro ter a sua garantia prejudicada.
Como se não bastasse a constrangedora situação de se pedir alguém para
prestar a fiança, ainda se faz necessária a autorização do seu cônjuge, ou
então uma “confissão” do estado civil do fiador.
È permitido ao fiador casado que
assine também a outorga em nome do outro, desde que porte uma procuração que o
dê poderes pra tanto.Só que, como se trata da fiança, mas uma restrição é
imposta, sendo necessário que o documento seja especifico para o ato.Não será
válida a procuração que possua somente cláusulas genéricas ad juditia e ad negotia .É necessário que a capacidade de se
prestar a fiança seja expressa.
“Se o cônjuge for
representado por mandato, outorgado ao outro
consorte ou a terceiro, os poderes para prestar ou anuir com finca tem
de ser expressos, não se incluindo nas cláusulas genéricas ad juditia e ad negotia”
O maior e pior efeito causado pela outorga uxória será, estando ela
ausente, a anulabilidade do ato praticado. Segundo Silvio Venosa, a fiança
prestada pelo marido, sem o consentimento da mulher, é nula e vice e versa.
Se
a fiança for anulada por ausência da vênia conjugal, o vicio se estende a todo
o contrato acessório, não podendo este estar parcialmente inválido. A invalidez
é total. O conjugue fiador não poderá, por exemplo, continuar fiando o contrato
principal sob o argumento de ter os seus bens da meação como garantidores. A
fiança não surtirá mais nenhum efeito.
A lei é bastante benéfica ao fiador concernente ao prazo para a alegação
de anulabilidade da fiança. Em total prejuízo ao locador, o legislador permite
a propositura da ação mesmo após a separação do casal, dando o prazo de 2 anos
para a prescrição, a contar da data do término da sociedade conjuga.
Se o casamento ainda existir, não há que se falar em prescrição, podendo a
nulidade ser declarada quando o cônjuge “prejudicado” bem entender.
“O atual diploma, no
art.1.649, dispõe que a falta de autorização não suprida pelo juíz, tornará o
ato anulável, podendo o outro conjugue pleitear-lhe a anulação, até dois anos
depois de terminada a sociedade. Institui-se, portanto, o prazo decadencial.”
Buscando flexibilizar tamanho rigor, permitiu-se ao cônjuge que se sentir
prejudicado pela negativa do outro em conceder a outorga, recorrer aos meios
judiciais, como forma de realizar a sua vontade.
O artigo 1.648 do Código Civil declara:
“Cabe ao juiz, nos casos do artigo antecedente, suprir a outorga,
quando um dos cônjuges a denegue sem motivo justo, ou lhe seja impossível
concedê-la.”
Só que dificilmente alguém recorreria à medida extrema de pleitear na
justiça, a autorização contraria do outro cônjuge para prestar fiança a outrem,
por mais querido que seja.
Conclui-se, após a reflexão dos fatos expostos
neste capitulo, que não é da vontade do legislador que o ente casado arrisque o
patrimônio familiar de forma desnecessária.
É sabido que a família é célula básica a partir
da qual se desenvolvem os demais direitos do cidadão[19].
Por isso merece a máxima proteção por parte do estado. E uma maneira encontrada
foi instituir mecanismos legais que garanta essa proteção.
Um deles é a indispensável necessidade da
outorga uxória para a prestação da fiança, tentando afastar assim esta
modalidade contratual da entidade familiar.
Acontece que, como
conseqüência, afasta também a locação imobiliária destinada, na maioria das
vezes, a própria moradia da família.
A EXONERAÇÃO DO FIADOR.
“Uma das questões mais polêmicas que
envolvem as garantias da locação, gerando intensas discussões doutrinarias, diz
respeito á exoneração do fiador...”.
Isto
porque existem várias maneiras do fiador, dentro ou fora do período contratual,
se exonerar, deixando a locação desprotegida.
O
problema maior é que o locatário poderá estar ocupando o imóvel, ficando o
locador com a enorme possibilidade de inadimplência.
O Código
Civil enumera as possibilidades da extinção da fiança, levando a conseqüente
liberação do fiador da sua obrigação contratual.
Art 838. O fiador, ainda que solidário, ficará
desobrigado:
I - se, sem
consentimento seu, o credor conceder moratória ao devedor;
II - se, por
fato do credor, for impossível a sub-rogação nos seus direitos e preferências;
III - se o credor, em
pagamento da dívida, aceitar amigavelmente do devedor objeto diverso do que
este era obrigado a lhe dar, ainda que depois venha a perdê-lo por evicção.
Estas
hipóteses dispensam aprofundamento, por não gerarem discordância e já estarem
pacificadas no ordenamento jurídico.
No
entanto, em se tratando de exoneração, a maior fragilidade existente na fiança
diz respeito a um ponto especifico: quando ela é prestada sem prazo determinado
e o contrato, ao seu término, é prorrogado automaticamente sem nova anuência do
fiador. Isto porque há um enorme impasse dentro da jurisprudência quanto a
possibilidade ou não da prorrogação da fiança junto ao contrato principal.
Os
posicionamentos dos juízes são tão vacilantes que é possível encontrar decisões
diferentes proferidas pela mesma turma, em um curto período de tempo, levando a
uma situação indefinida e imprevisível.
“Para ter-se uma idéia da dificuldade
da matéria, basta um exame dos julgados do Tribunal de Alçada de Minas Gerais,
onde os posicionamentos das sete câmaras civeis divergem profundamente e até mesmo,
em algumas delas, não se chega a posições unívocas. Não-raro juízes tem, em
curto espaço de tempo, alterado seus pontos de vista, tornando vacilante e
indefinida a jurisprudência da Corte, como um todo.”
O que dá motivação a toda essa inconstância é
a contradição existente entre dois artigos, um do código civil e o outro da lei
especial 8245/91.
O artigo 39 da lei diz o seguinte:
“ Salvo disposição contratual em
contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução
do imóvel.”
Já o artigo 835 do Novo Código Civil (Antigo
artigo 1500 do Código Civil de 1916) diz:
. “O fiador poderá
exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe
convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias
após a notificação do credor.”
Silvio Venosa faz o seguinte comentário sobre o
problema:
“...pelo microssistema do
inquilinato, em interpretação literal, não há possibilidade de exoneração do
fiador antes da entrega do imóvel locado.No entanto, nota-se que o Superior
Tribunal de Justiça tem acolhido pretensões nesse sentido, aplicando a regra
geral da fiança e não a lei especial, o que motiva uma reviravolta no sentido da lei locatícia e, em principio, coloca em risco esse segmento negocial.”.
Há
tempos, é prática habitual no mercado imobiliário a inserção de uma cláusula
contratual na qual o fiador se obriga até a efetiva devolução do imóvel, mesmo
já vencido o contrato, prevendo as partes a possível prorrogação, já que a
locação pode se perpetuar por vários anos, permitindo assim que a relação
permaneça completa, com o uso do imóvel por parte do locatário e a continuidade
da garantia prestada pelo fiador.
“...é praxe do mercado incluir nos
contratos de locação uma cláusula na qual o fiador renuncia expressamente,
entre outras, a faculdade do art. 1500 do Código Civil, o que o inibiria de
exonerar-se, ainda que o contrato passasse a vigorar por tempo indeterminado,
só se extinguindo a garantia com a
devolução das chaves.”
Entretanto,
existe uma corrente cada vez mais crescente, que se apega ao Código Civil e
alega que a fiança não pode ser interpretada extensivamente, não dando a mínima
importância pára o que diz a Lei do Inquilinato. A cláusula da perpetuação da
garantia até a efetiva entrega das chaves seria nula. Como o fiador não
participou da renovação, o seu dever de garantir acaba no prazo final do
contrato principal.
“Para essa corrente jurisprudencial,
pouco importa que o art. 39 da Lei do Inquilinato estabeleça a duração da fiança
locatícia até a efetiva devolução do
imóvel, e que o contrato tenha estipulado a responsabilidade do fiador
pelas obrigações do inquilino até a entrega das chaves do locador.
Segundo
essas orientação jurisprudencial, ampliação da fiança até a restituição do
prédio locado somente acontecerá, em qualquer situação, quando o fiador aderir
expressamente à prorrogação da relação ex
locato seja por novo prazo certo, seja por tempo indeterminado.”
Como se não bastasse a desproporção da
proteção existente entre fiador e locador, este ainda pode ter retirado dos
seus direitos uma das poucas vantagens que tem. Vantagem essa garantida por
lei.
Para
piorar ainda mais o que já estava ruim, o Superior Tribunal de Justiça publicou
a súmula 214.Alguns
acórdãos a utilizaram para invalidar a cláusula que prorroga a fiança, quando o
fiador não tivesse dado a sua concordância expressa com a continuidade.
Os juízes
adotaram uma interpretação analógica, já que muitas vezes, para não se dizer em
quase todas, a fiança é acertada de comum vontade entre as partes e o próprio
fiador está ciente do seu ato. De forma expressa, as partes negociam sobre uma
possível prorrogação da fiança.
“..a regra legal não quer que, por
meio de interpretação analógica ou ampliativa, a fiança venha a alcançar hipóteses que a vontade negocial de
fato não tenha previsto.
A
vedação à interpretação extensiva não autoriza a ao juiz a desprezar o que,
expressa e claramente, as
partes estipularam acerca da duração e prorrogação da fiança”.
Depois de muito se
discutir, chegou-se a conclusão de que a súmula realmente estaria sendo mal
utilizada. Ao estendê-la á exoneração do fiador decorrente da prorrogação do
contrato de locação, deu-se causa ao desvirtuamento da sua finalidade inicial.
Ela foi criada para cuidar de situações com
natureza novativas, ocorridas sem consentimento. Sua inspiração foi a regra do
artigo 1006 do Código Civil de 1916 (Artigo 366 do Novo Código Civil) Não se trata
da mencionada prorrogação do artigo 39 da lei do inquilinato e sim do
surgimento de obrigações novas, como o aumento do aluguel sem a devida ciência
do fiador, não podendo ser ela utilizada para invalidar a prorrogação da
responsabilidade.
“Com efeito, o enunciado sumular
invoca justificativas em nove precedentes da Quinta e Sexta Turmas do STJ,
todos relacionados com aditivos inovadores do teor do contrato locatício e não
com simples prorrogações legais ou
autorizadas por cláusula do próprio negocio afiançado.
A súmula n°. 214, portanto, espelha
orientação jurisprudencial firmada para situações de pactos de natureza
novativa (grifo do autor) realizados no âmbito do relacionamento entre locador
e locatário, sem a presença ou consentimento do fiador. O caso não envolve o
art. 39 da Lei do Inquilinato, nem considera inválido o pacto de fiança a perdurar durante prorrogação locação por
prazo indeterminado, previsto no contrato primitivo.O enunciado da Súmula n°
214 foi inspirado na regra do art. 1.006 do antigo Código Civil (art. 366 do
novo Código Civil), que instituiu a exoneração do fiador pela novação feita sem seu consenso com o devedor principal’.
Porém , esses episódios deixaram seqüelas. A primeira delas é que, até
que se chegasse a uma conclusão, muitos
locadores foram extremamente prejudicados, já que de uma hora para outra, um
antigo hábito das locações imobiliária foi considerado ineficaz, sem o devido
aviso prévio que possibilitasse a correção do feito.Vários fiadores foram
desonerados das obrigações que anuíram, tendo os locadores que arcar com todos
os prejuízos subseqüentes ao termo final do contrato.
A segunda é que mesmo continuando
válido o entendimento de que a fiança pode se prorrogar, houve mudanças neste
principio, com a imposição de novas exigências e restrições:
“A previsão de responsabilidade do
fiador até a restituição do imóvel ao locador (entrega das chaves) não
prevalece, segundo a atual jurisprudência do STJ (Terceira Seção) senão durante
o prazo certo estatuído no original pacto locatício. Para que se estenda às
renovações ou prorrogações oriundas de aditamento contratual entre inquilinos e
senhorio, é necessária a anuência expressa do fiador. Não basta, para esse
efeito, a simples inserção de clausula de responsabilidade até a entrega das
chaves.
Humberto
Theodoro continua:
“Não havendo convenção expressa sobre
a vigência da fiança além do prazo do contrato primitivo, a simples declaração
de responsabilidade do fiador até a entrega das chaves não mantém a fiança
indefinidamente. Essa parece ser a atual sinalização da jurisprudência do STJ
(Terceira Seção)”
O artigo 39 da lei
8245/91 continua válido, mas necessita ser adaptado à nova jurisprudência. Para
que a garantia dure até a entrega do imóvel, é necessária a convenção expressa
sobre a vigência da fiança além do contrato inicial. Quando houver a cláusula
que estende a fiança até a entrega das chaves, se entenderá que a fiança acaba
com o termo final do contrato. Não haverá prorrogação.
Para aqueles que, daqui para frente, buscam
uma garantia segura e duradoura, aconselha-se o estabelecimento de uma relação
contratual clara, com cláusula completa, onde o fiador, de forma inequívoca, ao
invés de renunciar o seu direito de exoneração, expresse a sua concordância em
prestar a fiança por tempo indeterminado.
Já para os locadores que continuam a
regular a fiança pela forma antiga, com a suprimida cláusula “até a entrega das
chaves”, recomenda-se que procurem o fiador para a adequação do contrato ao
novo entendimento dos Tribunais. Resta saber se o fiador, depois de alertado,
continuará sustentando o que já havia sido combinado no inicio, permanecendo
até a efetiva devolução do imóvel, ou então se vai recusar a consentir com o
aditivo de prorrogação, se livrando do ônus de garantidor.
Essa foi outra armadilha do mecanismo da fiança, desta vez imposta pelo
Poder Judiciário.
A PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA DO
FIADOR
Neste capítulo, passa-se a demonstrar a vulnerabilidade da
fiança em um terceiro momento. Talvez o mais importante da relação entre
locador e fiador. É quando esta teve o seu fim motivada pela inadimplência do
locatário, cabendo ao dono do imóvel procurar receber a divida através da
execução dos bens do garantidor.
“Como elemento de
garantia a fiança vem aumentar as possibilidades, com que conta o credor, de
receber, a dívida .Pois, se o devedor não resgatar o débito e seu patrimônio
for escasso para assegurar a execução,pode o credor voltar-se contra o fiador,
reclamar-lhe o pagamento e excutir seus bens, para assim se cobrar”.
Mas antes
disso, se faz necessário o entendimento de alguns pontos legais e doutrinários
para a compreensão do problema.
A principal obrigação do fiador será pagar a
dívida caso o locatário não o faça.
“A obrigação básica do
fiador é a de pagar a dívida do devedor se este não fizer no tempo e na forma
devidos”.
É
confiando nesta responsabilidade que o locador concorda em firmar tanto o contrato
de fiança quanto o contrato de locação. Trata-se de direito do locador receber
a obrigação e de dever do fiador cumpri-la, mesmo que seja necessário utilizar
de todo o seu patrimônio.
“Podemos dizer que na
fiança um terceiro, denominado fiador,
obriga-se perante o credor, garantindo com o seu patrimônio a satisfação do
credito deste. Dizemos que o fiador obriga-se pessoalmente perante o credor, significando que o seu patrimônio
garante a realização da prestação debitória”.
Para reforçar a
responsabilidade do fiador, mantendo a utilidade e a eficácia da garantia
prestada[40],
a Lei do Inquilinato trouxe um dos principais dispositivos que favorece ao locador.Ela introduziu a
fiança decorrente de contrato de locação ao artigo 3° da Lei 8.009/90, que cuida
das únicas situações em que o bem de família pode ser penhorado.
“Artigo
3º - A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil,
fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se
movido:
VII – por obrigação decorrente de
fiança concedida em contrato de locação”
“ O artigo 82 da Lei
8.245, de 18 de outubro de 1.991, fez inserir no artigo 3°da Lei 8.009/90 mais
uma exceção,permitindo recair a penhora em bem de família,seja ele de
propriedade do casal ou de entidade familiar, na hipótese de obrigação
decorrente da fiança concedida em contrato de locação”
Essa mudança permitiu ao locador, diante da
incapacidade do locatário em honrar a dívida, penhorar todos os bens dos
fiadores, inclusive os bens de família, meso sendo este a sua única moradia.
Ora, o fiador quando aceita este
posto, deve estar disposto a arcar com os eventuais prejuízos decorrentes dos
riscos que assumiu. O objetivo da fiança é justamente retirar das costas do
locador qualquer possibilidade de dano. Ao ser fiador, o individuo se dispõe a
carregar este peso, mesmo que seja necessário sacrificar o seu bem de família. Além
do que, a lei já exige a autorização expressa do outro cônjuge para tanto. Caso
contrário, se houverem limitações da quantidade de bens a serem atingidos, não
há que se falar em
garantia. O contrato de fiança não é obrigatório. Assume o
risco quem quer. Mas se assumidos, tem que se responder por eles.
“Em qualquer caso, a fiança visa
transferir para o fiador o risco de inadimplemento do devedor do contrato
principal. É dessa forma que ele cumpre sua função de garantia. Antes da
fiança, quem corre o risco de o devedor descumprir as obrigações é o
credor;após; é o fiador que passa a correr este risco”.
Entretanto,
o novo inciso não foi bem recepcionado por parte da doutrina. Dentre as
críticas, as principais eram de que estava se ferindo a dignidade da pessoa
humana e também o principio da isonomia.
“RITA DE CASSIA CORRÊA DE VASCONCELOS
enxerga a transgressão ao principio isonômico nos seguintes termos: “(...) a
exceção do inc. VII coloca o fiador em situação escancaradamente inferior em
relação ao afiançado. Lembre-se que até mesmo os móveis que guarnecem a
residência do locatário sãs impenhoráveis (art. 2°,parágrafo único); não há, então,
entendimento razoável que justifique a penhorabilidade do imóvel residencial do
fiador e de sua família, bem como dos imóveis que o guarnecem. A discriminação
é flagrante e incompreensível”.
Por qualquer dessas razões, é forçoso
concluir que a previsão do inciso VII do art. 3° da lei 8.009/90 viola o
principio da isonomia, pois dispensa tratamento desigual para locatário e o seu
fiador, nada obstante as obrigações de ambos terem a mesma gênese, que é o
contrato de locação.”
“Com efeito, a validade da previsão
de penhorabilidade de imóvel por força da fiança dada em contrato de locação
não se coaduna com os parâmetros do novo direito civil, o qual busca ser mais
justo e solidário”
Em 14 de
fevereiro de 2000, foi promulgada a Emenda n° 26 à Constituição Federal. Para aqueles que descordam do inciso
VII, a emenda caiu como uma luva. Carentes de disposição legal que pudesse
suprimir a penhora decorrente da fiança, eles se apegaram ferreamente à mudança
constitucional.
“O fato da moradia ter passado a
direito garantido pela Constituição provocou sensível repercussão no
ordenamento jurídico.O que se observa é que, a partir da Emenda Constitucional
de n° 26, surgiu uma forte corrente pretoriana rejeitando diversos tipos de
penhora em bens de família a partir da
inovação constitucional”
O argumento era de
que, ao se estabelecer a moradia como direito social, em hipótese alguma a
residência do fiador poderia ser penhorada. Portanto, o art 3° da lei 8009 era
inconstitucional e deveria ser desprezado. Inclusive o seu inciso VII, já que o
legislador não o mencionou no artigo 6.° da Constituição, onde foi realizada a
emenda.
“(...) erigiram o
principio da função social dos contratos ao patamar de norma de ordem pública,
com supedâneo na Constituição Federal . Logo, a previsão legal acerca da
penhora oriunda de fiança concedida em contrato de locação não se coaduna com o
principio mencionado, tampouco com o direito constitucional à moradia”.
Até então, a locação imobiliária protegida pela fiança não
havia sido prejudicada, uma vez que a questão era apenas doutrinaria. Porém, o
grande problema surgiu quando a polêmica chegou ao Supremo Tribunal Federal. O
Ministro Carlos Velloso, incluso entre os defensores da inconstitucionalidade
da penhora do único bem de família do fiador proferiu a seguinte decisão:
“CONSTITUCIONAL. CIVIL.
FIADOR: BEM DE FAMILIA; IMOVEL RESIDENCIAL DO CASAL OU DE ENTIDADE FAMILIAR:
IMPENHORABILIDADE.Lei 8.009/90, art. 1° e 3°.Lei 8.245, de 1991, que
acrescentou o inciso VII, ao art. 3°,ressalvando a penhora “por obrigação
decorrente de fiança concedida em contrato de locação”:sua não recepção pelo
art. 6°, C.F., com a redação da EC 26/2000.aplicabilidade do principio
isonômico e do principio de hermenêutica: ubi eadem ratio, ibi eadem legis
dispolio: onde existe a memsa razão fundamental, prevalece a mesma regra de
Direito.RExt 3252.940/SP, 25 de abril de 2005
E justificou:
“... a Lei 8.245, de 1991, excepcionando o bem de família do
fiador, sujeitou o seu imóvel residencial, imóvel residencial próprio do casal,
ou da entidade familiar a penhora.Não há dúvida que ressalva trazida pela Lei
8.245, de 1991, inciso VII do art. 3°, feriu de morte o principio isonômico ,
tratando desigualmente situações iguais,esquecendo-se do velho brocardo latino: ubi eadem ratio,
ibi eadem legis sispositio,ou em vernáculo:onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de
Direito. Isto quer dizer que,tendo em vista o principio isonômico,o citado
dispositivo inciso VII do art. 3°, acrescentado pela Lei 8.245/91, não foi
recebido pela EC 26, de 2000.” [49]
Após
a decisão do Ministro Carlos Velloso, surgiram inúmeras outras com o mesmo
teor, dando inicio ao que parecia ser outro impasse na jurisprudência atual.
Mesmo sendo maior o número de juízes que
aceitavam a penhora sobre o único bem de família do fiador, a parte que pregava
a inconstitucionalidade do ato ganhou força, dando evidentes sinais de
prosperidade.
“Estes julgados mostram que o
Judiciário não ficou infenso, nem poderia, à mudança no regramento
constitucional. Em maior ou menor extensão, a Emenda 26/2000 representa
significativo fortalecimento a
proteção a moradia”
Os tribunais de todo o Brasil começaram a
oscilar nas decisões.
EMBARGOS À EXECUÇÃO – FIANÇA – IMPOSSIBILIDADE DE O FIADOR ALEGAR
AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA OU MARITAL EM SEU BENEFÍCIO – BEM
DE FAMÍLIA – IMPENHORABILIDADE – EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 3º, VII, DA LEI
8.009/90 – CONFLITO COM O DIREITO À MORADIA – ÚNICO IMÓVEL RESIDENCIAL –
NULIDADE DA PENHORA.
- No que se refere à exceção prevista no inciso VII do art. 3º da
Lei 8.009/90 – penhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de
locação –, o que se observa é que tal disposição, além de afrontar o direito à
moradia, garantido no art. 6º, caput,
da CF/88, fere os princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade,
uma vez que não há razão para estabelecer tratamento desigual entre o locatário
e o seu fiador. Apelação Cível nº 1.0024.05.630146-8/001-TJMG-15.12.2005
No
Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
“É possível a penhora de bem de família de fiador, haja vista que o art. 3º,
inc. VII da Lei 8.009/90 é expresso ao permitir a constrição quando decorrente
de dívida contraída em contrato de fiança. A Emenda Constitucional 26/00, que
alterou o artigo 6º da Magna Carta, elevando a moradia como direito social, não
revogou ou modificou o referido artigo, que dispõe sobre a impenhorabilidade do
bem de família. Assim, o único imóvel residencial do fiador responde por
obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
No mesmo
tribunal de Justiça do Distrito Federal:
“Não é possível a penhora de bem de família de fiador, haja vista que houve uma
mudança do art. 6º da CF/88, pela Emenda Constitucional 26/00, para dizer que a
moradia também é um direito social. A lei não pode confrontar-se com um
dispositivo constitucional, ainda mais para instituir uma situação de
desigualdade e de injustiça. Conclui-se, portanto, que a exceção prevista no
inc. VII do art. 3º da Lei 8.009/90 não foi recepcionada. Mesmo que o bem
esteja locado, afasta-se a penhorabilidade na medida em que o aluguel gera
frutos, possibilitando melhoria das condições de vida”.[54]
E quem esperava uma
solução do Superior Tribunal de Justiça, surpreendeu-se, pois lá a conduta era
a mesma.
A 5ª Turma adotou a
seguinte postura:
“ É impenhorável o bem de família
pertencente ao fiador dado em garantia em
contrato de locação, porquanto o artigo 3º, inciso VII, da Lei
8.009/1990 não foi recepcionado
pelo artigo 6º da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda
Constitucional 26/2000”.
.
O que resultou nos seguintes julgados.
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. LOCAÇÃO. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 3º, VII, DA LEI Nº8.009/90. NÃO RECEPÇÃO.
II - Com respaldo em recente julgado proferido pelo Pretório
Excelso, é impenhorável bem de família pertencente a fiador em
contrato de locação, porquanto o art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90
não foi recepcionado pelo art. 6º da Constituição Federal (redação
dada pela Emenda Constitucional nº 26/2000).
Recurso provido.
5ª T - REsp 745161 S DECISÃO:18/08/2005 DJ:26/09/2005 (unânime)
Min. Felix Fischer[56]
Do outro lado,
no mesmo STJ, a parte conservadora, mesmo com a decisão do Ministro Carlos
Velloso, mantinha a sua posição, e continuava a decidir de acordo com o artigo
3° da Lei 8009/90.
PROCESSUAL CIVIL.LOCAÇÃO. PENHORA. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA.POSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DO STJ
- A orientação predominante nesta Corte é no sentido de que a
impenhorabilidade prevista na Lei n. 8.009/90 não se estende ao
imóvel do fiador, em razão da obrigação decorrente de pacto
locatício.- Agravo improvido.6ª T - AgRg no Ag 684447 RJDECISÃO:09/12/2005 DJ:06/02/2006 (unânime) Min. Hélio Quaglia Barbosa
Assim
como ocorreu com a polêmica da aceitação ou não da prorrogação do contrato de
fiança por tempo indeterminado, o mercado imobiliário outra vez passava pela
turbulência causada pela imprevisibilidade do magistrado diante de um tema
relacionado à fiança do contrato de aluguel.
Mantendo o entendimento predominante e antes
que a discussão fugisse do controle, o Ministro Cezar Peluzo proferiu a
decisão:
‘CONTINUA A SER PASSÍVEL DE PENHORA O BEM DE FAMÍLIA PERTENCENTE A FIADOR EM CONTRATO DE LOCAÇÃO.
A PENHORA DESTE BEM DE FAMÍLIA NÃO VIOLA O DISPOSTO NO ARTIGO 6º DA CONSTITUIÇÃO,
COM A REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL 26/2000, MAS COM ELE SE COADUNA,
JÁ QUE É MODALIDADE DE VIABILIZAÇÃO DO DIREITO À MORADIA, PORQUANTO ATENDENDO À
PRÓPRIA RATIO LEGIS DA EXCEÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 3º,INCISO VII, DA LEI 8.009/1990, FACILITA
E ESTIMULA O ACESSO À HABITAÇÃO ARRENDADA, CONSTITUINDO REFORÇO DAS
GARANTIAS CONTRATUAIS DOS LOCADORES,E AFASTANDO,POR CONSEGUINTE, A NECESSIDADE
DE GARANTIAS MAIS ONEROSAS, TAIS COMO A FIANÇA BANCÁRIA.INFORMATIVO Nº 415”
PLENO - RE 407688 S DECISÃO:08/02/2006
(maioria)Min. Cezar Peluzo
O que
posteriormente influenciou outras Varas e Tribunais a adotarem postura
semelhante:
EMENTA:
APELAÇÃO CÍVEL. LOCAÇÃO. EMBARGOS AO PROCESSO DE EXECUÇÃO. FIANÇA. BEM DE
FAMÍLIA. PENHORABILIDADE.
Embora anteriormente defendida a tese da
impenhorabilidade do bem de família, privilegiada a norma constitucional que
resguarda a moradia sobre a lei infraconstitucional que excepcionou o imóvel
residencial do fiador, fazendo prevalecer o valor moradia sobre o direito de
crédito, adota-se o entendimento do 8º Grupo Cível do Tribunal de Justiça e do
colendo STJ, que entende penhorável o bem do fiador. Decisão recente do STF
sobre a questão. APELO IMPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70014283923, Décima Sexta
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Helena Ruppenthal Cunha,
Julgado em 05/04/2006) [58]
É importante notar que a decisão
proferida pelo Ministro Cezar Peluzo não foi unânime. Sinal de que ainda não é
pacifico o entendimento nem mesmo no STF.
Cabe ao
locador que aceitar a fiança como forma de garantia, mais uma vez adotar uma
postura preventiva. Ao escolher o fiador, deve se levar em conta a quantidade
de bens que estão ou que possa a vir a estar sobre a proteção do instituto do
bem de família.
Enquanto não houver uma postura unânime, ou
pelo menos quase, deve o locador exigir mais do fiador.
O
legislador já havia dado a faculdade ao fiador de proteger os bens que ele
considera como familiar, os declarando de forma voluntária, de acordo com a sua
vontade:
“As disposições do novo
Código Civil, encontradas nos art. 1.711 a 1.722, tratam do denominado bem de
família convencional.
Estabelecem os
mencionados dispositivos que os cônjuges ou a entidade familiar podem, mediante
escritura publica ou testamento, destinar parte do patrimônio para a
instituição do bem de família, até o limite de 1/3 do patrimônio liquido”
“Objetivo do instituto é
isentar o bem de família de constrição judicial advinda de dividas posteriores
à sua instituição.”
Possibilidade já existente no código antigo:
“Sob a ótica do fiador,
para garantir pelo menos o imóvel onde reside com sua família, colocando-o a
salvo de eventual constrição judicial por divida do locatário afiançado, resta
o caminho da instituição voluntária do bem de família, nos termos do arts. 70 a 73 do Código
Civil,complementados pelos arts. 19
a 22 do Decreto Lei 3.200/41.Recomendável que tal
instituição se faça antes da inadimplência do locatário,por força do art.
71,parágrafo único do Código Civil, e mesmo antes de celebrar a fiança, para
descaracterizar, desde já qualquer alegação de má fé”
E ao
colocar a fiança imobiliária no rol das exceções da impenhorabilidade,
demonstrou claramente a possibilidade da penhora.
“No entanto, a proteção
legal não é absoluta. SERGIO ANDRE ROCHA GOMESDA SILVA averbou que o bem de
família legal pode ser entendido como “a impenhorabilidade relativa do imóvel
residencial do casal,ou da entidade familiar.Diz-se relativa a
impenhorabilidade do bem de família, pois esta admite exceções, que
encontram-se previstas no art. 3° da Lei 8.009/90”.
Percebe-se
que, ao desconsiderar dispositivos legais já existentes, novamente se tentou
impor obstáculos ao contrato de fiança. Sinal evidente da garantia precária
oferecida por esta modalidade, já que algumas das prerrogativas que a compõem
não são vistas com bons olhos por parte da jurisprudência.
CONCLUSÃO
A fiança,
que sempre foi a “rainha” das garantias, devido a facilidade de ser prestada e
pelo rigor com que atinge o patrimônio do fiador, não tem mais a mesma
credibilidade de outrora.
Ao passar
dos tempos, após duras críticas e contínuos golpes proferidos pelos
magistrados, ela perdeu força, causando insegurança a aqueles que a escolheram.
Assuntos como a permanência do fiador em
contratos prorrogados automaticamente e a penhorabilidade do bem de família do
garantidor, antes triunfo dos locadores, oscilaram entre o permitido e o
proibido, demonstrando sinais de que mudanças virão pela frente.
A nova
jurisprudência vem aos poucos conquistando espaço e implantando a sua
dogmática. A recente tendência nos leva a crer que a valorização do individuo
ficará acima dos acordos e das vontades. Parece que futuramente, será suprimida
grande parte dos dispositivos que de alguma forma ameacem o bem estar social do
cidadão e da sua família.
O mercado
imobiliário, agora mais do que nunca, deve acompanhar de perto todas as
manifestações do Judiciário e do Legislativo que possa refletir no mecanismo da
fiança.
Os
contratos antigos devem ser adequados e atualizados com nova anuência do
fiador. Naqueles onde a prorrogação é instantânea, mesmo com a concordância
expressa, também deverá ser feita a revisão. O mesmo acontece com os que tem
como fiador o individuo que possui somente
a sua residência.Um único bem como propriedade já não traz mais segurança .
Aos novos contratos, que ainda serão
prestados, restará saber se a fiança será a melhor escolha. As outras
garantias, como a caução dos bens imóveis ou o próprio seguro fiança, merece
uma maior atenção do locador. Às vezes, a burocracia e o ônus gerado valeria
pelo risco evitado.
Sem
sombra de dúvidas, a fiança ainda continua a ser a forma de garantia locatícia
mais utilizada. Só que o seu rumo ainda não foi definido. E com certeza, parada
ela não vai ficar.
Enquanto
ela não se define, resta ao locador buscar a sua segurança para o futuro.
O mercado
de locações é veloz e não para nunca. Sempre existirá quem precisa locar e quem
tem um imóvel disponível a oferecer. Portanto, cabe ao legislador agir mais
rápido do que as mudanças, flexibilizando as outras formas de garantia, para
que venham a ocupar o espaço a ser aberto pela fiança.
Ao tirar
por um lado, enfraquecendo a fiança como garantia locatícia, se compensaria por
outro, rompendo as barreiras ao acesso às outras modalidades.
Se assim
for, estaremos caminhando para a volta dos “bons tempos”, em que a segurança se
estabelecia com a simples assinatura do contrato de locação.