O ESTADO E A PRÁTICA DE GOVERNANÇAS COORPORATIVAS: ABORDAGEM DAS EMPRESAS ESTATAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO VIGENTE.
Em vias de regra, como preceituado no art.
173, caput, da Constituição Federal, o
Estado deveria intervir diretamente na economia apenas em situações
excepcionais, de relevante interesse a coletividade ou por imperativos de
segurança nacional, definidos em lei.
Essa
intervenção direta é realizada quando o Estado cria as chamadas empresas
estatais, que podem se revestir nas modalidades de empresas públicas ou de
sociedades de economia mista, com o propósito de atuarem no domínio econômico,
como agentes, concorrendo com os particulares ou detendo o monopólio; ou,
ainda, quando o Estado cria as agências reguladoras para regularem e
fiscalizarem serviços e atividades econômicas.
Atualmente, essa intervenção do Estado,
por se tratar de situação tida como não habitual, exige o atendimento de
regras:
a. não
pode haver forma empresarial específica para o Estado, devendo-se observar
aquelas previstas em lei (art. 173, § 1º, CR/88);
b. as
empresas estatais só podem assumir duas formas, a de empresa pública - que pode
adotar qualquer forma societária prevista no Código Civil, exceto a Sociedade
Anônima - ou a de sociedade de economia mista - que somente pode adotar a forma
de Sociedade Anônima - sendo que, em ambos os casos, o Estatuto será criado por
lei;
c. o
Estado, atuando como empresa pública ou sociedade de economia mista, não pode
ter benefícios fiscais que não tenham sido concedidos ao setor privado
concorrente (art. 173, § 2º, CR/88);
d. como
sociedade de economia mista, o Estado deve necessariamente abrir seu capital.
Ainda segundo a Carta Magna, em seu Art .37,
inciso XIX, somente por lei específica se poderá criar empresa pública,
sociedade de economia mista, subsidiarias ou participações das mesmas em
empresas privadas, sendo as relações organizativas da empresa estatal de
direito administrativo em caráter superior.
A Empresa Pública se trata de pessoa jurídica direito privado, contudo administrada exclusivamente pelo poder público, instituída
por um ente estatal, com a
finalidade prevista em lei e sendo de propriedade única do Estado, que pode ser de
atividade econômica ou de prestação de serviços públicos.
É um instrumento de ação
do estado, sendo integrante da administração indireta e constituída sob qualquer das formas admitidas pelo direito, com capital formado
unicamente por recursos públicos de pessoa de administração direta ou indireta,
podendo ser da esfera federal, municipal ou estadual.
Ela tanto pode ser criada
originariamente pelo Estado como ser objeto de transformação de autarquia ou de empresa privada, dependendo
tanto a sua criação quanto a sua extinção, de prévia autorização legal específica.
Já a sociedade
de economista é Pessoa Jurídica de Direito Privado, constituída em parte por capital público e em parte por
capital privado, por isso ser denominada como mista, sendo criada somente por
Lei autorizadora, no qual permite-se que um ente público possa se associar com
particulares para a instituição da empresa.
Como requisito principal,
a parte do capital público deve ser maior, pois a maioria das ações deve estar
sob o controle do Poder Público, se diferenciando das empresas públicas, tendo em vista que
nestas o capital é 100% estatal, e das sociedades anônimas em que governo tem
posição acionária minoritária, pois nestas o controle da atividade é privado.
Outro requisito
fundamental é que somente poderá ser constituída na forma de S/A, como
estipulado pelo artigo 5º, inciso III, do Decreto Lei 200/67:"...
Sociedade de Economia Mista: a entidade dotada de personalidade jurídica de
direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a
forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertencem, em sua
maioria, à União ou a entidade da Administração Indireta.
Alguns temas polêmicos envolvem a questão
de gestão das empresas publicas, bem como do seu enquadramento aos dispositivos
legais da legislação vigente, com a tendência cada vez mais forte de igualar o
tanto quanto possível o seu tratamento ao dispensado às empresas puramente
privadas, em busca da menor desigualdade de benefícios entre as duas
modalidades.
Igualdade que é buscada com a tentativa de
estender às empresas publica as práticas de governança coorporativas já
consolidadas no âmbito privado, onde o objetivo das empresas é conciliar as
aspirações da sociedade, sob responsabilidade e compromisso social.
Nessa linha, o Estado deve administrar as
suas empresas com postura ativa e atualizada, fixando e implementando politicas
de gestão, com estímulos a probidade, a transparência, a ampliação e a
compatibilização dos direitos daqueles que se relacionam com a companhia.
Tais medidas de gestão buscam de instante
imediato, a resolução de conflitos internos,
facilitar aos acionistas controladores a administração estratégica da empresa e
estabelecer normas técnicas de relacionamento, através do “código de melhores
práticas”, com ênfase na probidade, transparência, ampliação e compatibilização
dos direitos dos que relacionam com a companhia.
Este movimento de implementação das
governanças coorporativas nas empresas publicas teve inicio nos Estados Unidos,
em decorrência dos escândalos corporativos iniciados na década de 80, atingindo
seu ápice no caso da Companhia Eron, no ano de 2001, quando foram apontadas inúmeras
fraudes nos balanços contábeis, decorrentes da forma privilegiada de como a
empresa era gerida.
O que resultou na edição da Sarbanes
–Oxley Act (SOX), que impôs responsabilidade aos administradores da companhia,
das empresas de auditoria, a exigência de adoções rígidas de governanças
coorporativas relativas a auditoria externa e de conduta dos administradores.
Seguindo este direcionamento, em 2007, aqui no
Brasil, foi estabelecido Decreto 6.021, passando a União a expressamente
definir governança coorporativa como “um conjunto de práticas de gestão”,
envolvendo, entre outros, os relacionamentos, entre acionistas, quotistas,
conselhos de administração e fiscal, ou órgão com funções equivalentes,
diretoria e auditoria independentes com a finalidade de otimizar o desempenho
da empresa.
Buscou proteger os direitos de todas as
partes interessadas, com transparência e equidade, com vistas a maximizar os
resultados econômicos e financeiros das empresas estatais”.
O estado de Minas Gerais foi promissor em
adotar a visão privatista na esfera pública, ao implantar o sistema de governo denominado
“Choque de Gestão,” que privilegiava
a busca de eficiência e a administração
por resultados.
Atualmente tramita
no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Senado de n° 555/ 215, conhecido como
“Lei Gerais das Estatais”, que tem em seu cerne a possibilidade da privatização das empresas públicas, além de
permitir que tanto as empresas públicas quanto as
sociedades de economia mista, sejam constituídas sob a forma de sociedade
anônima, aplicando-se o estipulado a todas as esferas das estatais, incidentes
às empresas públicas federais, estaduais e municipais.
As críticas ao projeto
começam por sua definição de que os conselhos de administração das estatais deverão
contar com a presença mínima de 20% de membros independentes e seus integrantes
serão impedidos de manter relações sindicais, partidárias ou de parentesco com
pessoas no comando do Poder Executivo ou da própria empresa.
Essa regra e o percentual mínimo de 20% de membros
independentes também prevalecerão para os comitês de auditoria, de indicação e
de avaliação.
Outro ponto controverso diz
respeito a origem do projeto, oriundo de proposta conjunta do
Senador Renan Calheiros e do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha,
dois constantes protagonistas dos recentes escândalos políticos envolvendo
acusações relacionadas a recebimentos de propinas.
Questiona-se
também a politica de gestão imposta, obrigando as empresas estatais a seguirem
regras de governança e controle proporcionais à relevância e ao risco do
negócio.
Se
aprovado, o novo projeto ameaçaria, por exemplo, os Correios, a Caixa Econômica
Federal, por serem empresas 100% públicas, trazendo ainda condições que alteram a composição do Banco do
Brasil, que é uma economia mista.
Fato é que não há como negar a supremacia
dos êxitos das empresas privadas se comparados aos números apresentados pelas
públicas, principalmente se for levado em conta os obstáculos impostos
unilateralmente ao campo privatista e aos privilégios reservados às entidades públicas,
balança desigual que abrilhanta ainda mais os louros das companhias privadas.
Temos hoje uma máquina estatal inchada, com
percentual considerável de ineficiência, onde muita das vezes se gasta mais do
que se arrecada, além dos desvios de finalidade de algumas companhias, que são
destinadas a objetivos particulares em benefícios a grupos restritos, colocando
em risco a própria existência da empresa, como se vivencia por exemplo, a
situação da Petrobrás, tida até pouco tempo como uma das maiores empresas do
mundo, prejudicada justamente pelos mecanismos criados para a sua
proteção, exclusivos as empresas públicas.
Diante tais circunstâncias, presume-se
estarmos vivenciando cenário semelhante ao americano, onde a legislação foi
revisada para que os vícios de gestão que contaminavam as empresas publicas de
lá fossem erradicados, e os agentes responsáveis pela má gerencia duramente
responsabilizados.
Exemplos concretos de bons resultados
já têm por aqui, como o citado “Choque
de Gestão” Mineiro. Resta agora esperar para saber se o que vai prevalecer é
realmente o interesse coletivo e a imperatividade da segurança nacional, neste contexto,
através da manutenção ou restabelecimento da ordem econômica, molas percussoras
da existência da empresas publicas.